Porque
razão o Algarve foi um Reino até 1910?
Até
1910, o chefe de Estado em Portugal ostentava o título de Rei de
Portugal e dos Algarves, D'Áquem e D'Álem Mar em África, etc.
Nesse mesmo ano, após o golpe de Estado republicano, foi abolido o
Reino de Portugal, mas curiosamente, por lapso, não aboliram o Reino
do Algarve, pelo que, presumivelmente, ainda estaria na ordem
constitucional actual.
Sendo
o Algarve uma província assumidamente portuguesa pelo menos desde o
reinado de D. Afonso III, porque motivo nunca foi incluído
formalmente no Reino de Portugal?
O
Al-Gharb dos muçulmanos não era só o Algarve com as fronteiras de
hoje. O Al-Gharb de Al-Andalus ia desde Coimbra (Kulūmriyya) até às
fronteiras do Algarve dos dias de hoje. Já naquela altura o Algarve
era um reino, aliás Silves (Xelb) era a capital desse reino e o
Algarve islâmico da época atingiu um elevado esplendor cultural e
económico que já vinha a crescer desde a época romana.
A
grande conquista cristã que a história de Portugal nos conta quebra
com a realidade do que era o Algarve da altura, e com o que realmente
aconteceu. Durante mais de cinco séculos (c. 711-1249), sobre o
domínio dos povos islâmicos, árabes e beberes, também o
cristianismo existia entre a população do Algarve. Durante séculos
viveram moçárabes e cristãos sob governos muçulmanos.
D.
Afonso I (primeiro rei de Portugal), nunca chegou a pisar as terras
do Algarve de hoje, foi seu filho, D. Sancho I que em 1189 conquistou
Silves e proclamou-se como Rei de Silves e do Algarve, no entanto
perde Silves para os árabes em 1191, perdendo também o título.
Conseguimos perceber que existia interesse por parte dos reis na
conquista (reconquista), pela simples razão de aumentar o seu reino,
mas a ordem da conquista era dada pelos Papas, e os portugueses
matavam em nome de Deus.
Foram
preciso cinco Reis portugueses e a ajuda dos Cruzados para, por mais
de um século de guerras conquistarem o Al-Gharb aos muçulmanos,
desde 1139 até 1249 (Cento e dez (110) anos). Mesmo, desde 1189 da
conquista da grande Cidade de Silves por D. Sancho I, até 1249 da
conquista de D. Afonso III, foram precisos setenta e oito anos (78
anos) para conquistar as fronteiras do Algarve de hoje (passaram as
passas do Algarve).
Depois
de o Rei de Leão e Castela conquistar Sevilha em Novembro 1248, fez
com que D. Afonso III tomasse a decisão de lançar a última
ofensiva a sul. Ambos os Reis, de Espanha e Portugal cobiçavam estas
terras ricas do Al-Gharb. Na primavera de 1249 chegam as tropas
portuguesas à cidade costeira de Santa Maria de Faro. Não houve
ataques, nem invasões sangrentas. D. Afonso III fez apenas um acordo
com os mouros estabelecendo o seguinte: deu-lhes as mesmas leis em
todos os assuntos, podiam ficar com as suas casas e seus patrimónios
e o Rei prometeu, defende-los e ajuda-los contra outros povos
invasores. Os que quisessem ir embora poderiam ir livremente e levar
seus bens. Os cavaleiros mouros que permanecessem tornar-se-iam seus
vassalos, e respondiam quando fossem chamados, e o Rei devia
trata-los com honra e misericórdia.
Foi
desta forma que D. Afonso de Portugal e do Algarve “atacou” Faro.
No final de 1250, os últimos bastiões muçulmanos, em Porches,
Loulé e Aljezur rendem-se e aceitam a aliança portuguesa (não é
por nada que ainda hoje existe nos brasões das cidades algarvias um
rei cristão (D. Afonso III) e um muçulmano).
Os
autores e historiadores contemporâneos portugueses desvalorizaram
sempre os registos da verdadeira reconquista, fazendo com que a
história ficasse marcada por uma brava e vitoriosa conquista
portuguesa, por mouros que fugiram, e banhos de sangue (uma história
pouco verdadeira). Os Reis espanhóis consideravam que o Reino do
Algarve lhes pertencia por o Rei do Al-Gharb, Musa ibn Mohammad ibn
Nassir ibn Mahfuz, Amir de Nieba, ter feito vassalagem ao Rei D.
Afonso X de Espanha. D. Afonso III casou-se com a filha do Rei de
Espanha Dona Beatriz de Castela em 1253 com a intenção de criar um
laço de aliança (mesmo casado com Dona Matilde de Bolonha). Só em
1267, com o Tratado de Badajoz D. Afonso X de Leão e Castela concede
ao Rei de Portugal o Reino do Algarve, fazendo de seu neto D. Dinis o
herdeiro do Trono do Algarve.
D.
Dinis em 1293 criou uma bolsa dos mercados com interesse pelas
exportações. Vinho e frutos secos do Reino do Algarve eram vendidos
à Bélgica e à Inglaterra, foi assim que começou a desenvolver-se
a ideia para os descobrimentos.
Em
1415 os infantes de Portugal invadem a cidade de Ceuta com a mesma
visão da “reconquista”, mas com mais motivos. As conquistas no
norte de África fez com que o Reino do Algarve, passasse a ser
chamado, a partir de 1471 como Reino dos Algarves, e o primeiro rei a
o usar o título foi o Rei D. Afonso V de Portugal e dos Algarves,
d’Aquém e d’Além-Mar em África. Não é que existisse dois
Algarves, mas apenas um, com dois territórios (o de cá, e o de lá
do mar). O que existia na verdade era apenas uma expansão do Reino
do Algarve para além do mar, já que o Reino de Portugal acabava no
Alentejo.
O
Reino do Algarve na história de Portugal é quase inexistente, a
maioria dos algarvios e portugueses nunca ouviram falar deste reino.
Há autores que dizem que o Reino do Algarve em nada se diferenciava
do resto de Portugal mas não é assim tão verdade. É certo que as
leis de Portugal serviam para o Algarve mas não deixava, e não
deixa de ter, outros hábitos e outros costumes, outras tradições,
fazendo desta terra um grande espólio multi-cultural que não há
igual, em nenhuma outra terra em Portugal.
O
Reino do Algarve não era um reino autónomo é verdade, era
semi-autónomo separado pela serra algarvia, separado por vontade dos
próprios réis portugueses (nomeando sempre um governador para este
Reino régio), separado por uma aliança com os cidadãos algarvios e
réis de Castela. Dizem certos autores que nenhum rei português foi
coroado ou saudado como sendo apenas Rei do Algarve, é verdade, no
entanto os próprios Reis portugueses quiseram que continuasse a ser
um outro reino à parte, e estes autores esquecem-se ainda que quem
fundou o Reino do Algarve não foram os réis portugueses. A única
vez que o Reino do Algarve foi abolido foi em 1773 por D. José I
(influências do Marquês de Pombal), mas a sua filha, a Rainha Dona
Maria I volta a o restaurar.
O
Reino do Algarve englobava todos os territórios africanos dos réis.
Também podemos olhar para a ilha da Madeira como parte desse reino,
ainda mais por D. Duarte ter doado a seu irmão o Infante D. Henrique
(Governador do Reino do Algarve), o arquipélago da Madeira. Sendo
extremamente irónico a ilha Madeira hoje ser uma região autónoma
(ou semi-autónoma) e o Algarve não. O que sempre existiu em
Portugal foi um Reino Unido de Portugal e Algarve tal como acontece
ainda hoje na Grã-Bretanha, com Inglaterra, País de Gales, Escócia
e Norte da Irlanda, unidos. Mais tarde em 1815 também o Reino do
Brasil fazia parte desse reino unido (no entanto é proclamada a
independência do Brasil em 1822).
Os
Reis de Leão e Castela (Espanha) também usaram títulos como Reis
dos Algarves, aliás, ainda hoje isso acontece. O Rei Filipe VI é o
Rei dos Algarves pela constituição monárquica espanhola de 1978.
Em
1910 com o golpe de estado por parte dos republicanos, dá-se a
proclamação da 1ª República portuguesa, em que se aboliu o Reino
de Portugal. Os republicanos portugueses no entanto esqueceram-se de
abolir o Reino do Algarve.
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