Protagonistas da crise académica de 1962, incluindo o ex-Presidente da república Jorge Sampaio, aprovaram hoje uma moção de repúdio pelos actos de violência policial de quinta-feira e enviaram um protesto aos principais órgãos de soberania.
A moção foi aprovada na sequência de um almoço, na cantina da Cidade Universitária, em Lisboa, que hoje reuniu mais de 400 estudantes que há 50 anos realizaram «luto académico» após uma carga policial na alameda do Campo Grande.
«Há dois dias, vimos nas televisões as imagens de polícias carregando de novo sobre jovens, com uma violência desmedida e desproporcionada. Mais vimos o espancamento de jornalistas, pondo em risco a isenta cobertura da carga policial», refere a moção hoje lida por Maria João Gerardo e Artur Pinto, da comissão organizadora do evento de hoje, para mais 400 pessoas, que aplaudiram o texto.
Após considerem que «os jovens de 1962 não podem tolerar em democracia o que repudiavam em ditadura», os participantes na crise académica de 1962 decidiram em primeiro lugar «manifestar o seu repúdio pelos actos de violência policial verificados em Lisboa e Porto a 22 de Março de 2012».
No segundo ponto da moção, foi ainda decidido «dar conhecimento desse repúdio a Suas Excelências o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro; o Ministro da Administração Interna, o Inspector-Geral da Administração Interno e o Sr. Provedor de Justiça, assim como aos órgãos de Comunicação Social».
Entre os presentes no almoço de hoje estavam, além de Jorge Sampaio, um dos protagonistas da contestação de 1962, os socialistas Medeiros Ferreira e Vera Jardim, o provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa.
Na quinta-feira à tarde, em dia de greve geral convocada pela CGTP, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e várias pessoas ligadas à plataforma 15 de Outubro envolveram-se em confrontos junto ao Largo do Chiado, em plena baixa lisboeta.
Depois de vários manifestantes terem arremessado objectos contra agentes policiais e de a esplanada do café A Brasileira ter sido praticamente destruída, a PSP reforçou a sua presença com elementos das Equipas de Intervenção Rápida (EIR) e do Corpo de Intervenção.
Durante os confrontos entre manifestantes e polícias, os fotojornalistas José Sena Goulão (da agência Lusa) e Patrícia de Melo Moreira (da France Presse), que se encontravam no local a fazer a cobertura do acontecimento, foram agredidos pelas forças policiais.
No decurso da crise académica de 1962, e quando os alunos pretendiam celebrar o Dia do Estudante, proibido pelas autoridades, Marcello Caetano, então reitor da Universidade Clássica de Lisboa, tentou acalmar os ânimos e após contactar alguns dos líderes estudantis, convidou-os para jantar no restaurante Castanheira de Moura, em Lisboa.
A caminho do local de encontro, e no Campo Grande, uma carga policial dispersou o grupo estudantil, e o reitor acabou por não comparecer à reunião.
Marcello Caetano sentiu-se desautorizado e acusou a polícia de ter violado a autonomia da «corporação universitária». O reitor, e presidente do Conselho a partir de 1969, anunciou a intenção de se demitir, o que não foi aceite pelo Ministério, enquanto as Academias de Lisboa e Coimbra decretaram o «luto académico».
Após os incidentes de finais de Março, e o protesto do reitor, o ministro da Educação, Manuel Lopes de Almeida, anunciou a disposição em permitir a celebração do Dia do Estudante para 7 e 8 de Abril, mas depois voltou a recuar e proibiu de novo as celebrações.
Após esta decisão, Marcello Caetano acabou por anunciar a sua demissão incondicional. Em paralelo, foram suspensas as direcções de todas as associações de estudantes das universidades portuguesas, com a intransigente recusa das autoridades em dialogar com os representantes dos estudantes.
No final desse ano, o regime retomava o controlo da situação, mas nascia para a luta política uma geração que teve um papel de destaque no combate à ditadura, que só acabou 12 anos mais tarde, ironicamente com Marcello Caetano na sua liderança.
Retirado de: Sol
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