“Quando dão a ordem para avançar, é quase impossível travar-nos, já não ouvimos ninguém, deixa de haver uma linha de pensamento, e a questão de serem fotojornalistas ou cidadãos nem se nos coloca naquele momento: a nossa função é limpar o local”, confessou ao i um agente do Corpo de Intervenção (CI) que pediu o anonimato.
Depois da escalada de violência entre PSP e manifestantes na greve geral de quinta-feira, com uma detenção e três feridos (dois deles fotojornalistas), ontem foi a vez da escalada mediática das consequências. E a condenação pública foi unânime.
Mesmo a PSP, através do seu porta-voz, Paulo Flor, reconheceu aos jornalistas que “as imagens são muito fortes para que a PSP não faça nada”, referindo-se às fotografias e vídeos que ontem circularam mundo fora, via redes sociais e a imprensa. Emblemática passou a ser a fotografia da Reuters em que um agente espanca uma fotojornalista da AFP, Patrícia de Melo Moreira, também colaboradora do i. Paulo Flor revelou ainda que a PSP “já está a recolher todas as imagens e notícias para analisar o sucedido”, pois “quer perceber o que se passou”.
Patrícia de Melo Moreira foi agredida por agentes da Equipa de Intervenção Rápida da PSP, mas já o fotojornalista da Lusa, José Sena Goulão, que recebeu assistência hospitalar, foi agredido por três elementos do CI, que actuou depois de perdido o controlo. “E bateram para magoar”, garantiu Sena Goulão.
Segundo Ricardo Noronha, uma testemunha ouvida pelo i, “tanto o polícia agressor como a fotojornalista agredida já nos acompanhavam desde a praça do Saldanha, era impossível o agente não saber quem ela era quando a agrediu no Chiado”. Segundo Noronha, os incidentes surgiram “quando a PSP tentou deter um dos manifestantes”. Os restantes “tentaram pacificamente impedir e foi aí que a PSP começou à bastonada”. A resposta “foi o arremesso de garrafas de água e cerveja”, seguindo-se “a entrada da polícia de choque, que até senhoras de idade agrediu”.
Não só a PSP vai averiguar internamente as decisões que levaram a esta violência. Também a Inspecção-Geral da Administração Interna o vai fazer. Estes inquéritos juntam-se aos de 24 de Novembro de 2011, data da última greve geral, em que também se registaram agressões policiais, uma delas também a um colaborador do i, o fotojornalista Eduardo Martins. Segundo fonte policial, “um inquérito deste género demora no mínimo seis meses, mas pode ir até ano e meio, pois ouvem-se todos os envolvidos, polícias e queixosos”.
Os processos de averiguação “são prejudiciais para os agentes, a suspeita de irregularidades afecta a carreira, o que até trava os agentes mais impulsivos”, revelou o mesmo agente do Corpo de Intervenção. “Tenho a certeza de que, 20 minutos depois da bastonada à jornalista, o agente arrependeu-se e muito, pois a cara dele está nos jornais”, acrescentou.
Este polícia de choque lembrou que “na greve de 24 de Novembro detivemos um homem que estava a dar pontapés nas grades frente à Assembleia da República, mas quando já estava algemado disse que pertencia às brigadas de investigação criminal da PSP”. Recordou o episódio a rir para lembrar que “às vezes basta um polícia para lançar a confusão, basta uma acção individual precipitada para tudo descambar, pois estamos ali muitas horas, sem saber se vamos entrar em acção, é stressante”. Este agente não tem dúvidas de “que a violência das manifestações vai aumentar a partir daqui”. Ainda assim, garantiu que “as chefias recomendam- -nos sempre calma, pois não querem raspanetes do director nacional [da PSP], que por sua vez não quer raspanetes do ministro [da Administração Interna]”.
Repúdio Ontem foi dia de “repúdio”. Cerca de 80 jornalistas, muitos deles da Agência Lusa, cuja direcção de informação apresentou queixa pela agressão a Goulão, estiveram frente à Direcção Nacional da PSP em protesto. Entregaram uma carta a repudiar a acção policial e exigiram desculpas formais.
Também o Sindicato de Jornalistas (SJ) pediu um inquérito “rigoroso” e “condenou a acção policial”. Quanto à sugestão feita pela comissária Carla Duarte, da PSP, para que os jornalistas passem a usar coletes, o SJ diz que o uso de coletes não pode tornar-se lei, pois “os jornalistas passam a ser um alvo a abater”.Já o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, quer uma reunião com o SJ e com os directores de informação para definir as regras que identifiquem os jornalistas.
Retirado de: iOnline
Comentários
Enviar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.